26/04/2021

VALE A PENA SALVAR A HUMANIDADE

No princípio, eu queria transformar a humanidade — em quê não sei, mas eu queria! —, revolucionar o tempo e o espaço, destronar os impostores da dor e da injustiça, declarar a existência livre e soberana; queimar as superficialidades na fogueira das vaidades, converter o tudo e as pessoas pela arte, etc...

Aí um livro sacudiu o meu delírio e me deixou sem fôlego: Vidas Secas, de Graciliano Ramos; chorei com a morte da cachorra Baleia e da miséria interior dos indivíduos.

Outros livros me deram rasteira: A metamorfose, de Franz Kafka, por exemplo. Outros textos me socaram o estômago sem piedade, como os de Clarice Lispector; ela sim deu nós e sopapos na minha mente e continua contribuindo para as minhas imperfeições. Triste fim do ser humano que não tem a oportunidade de levar tapa na cara dos diálogos e desfechos das histórias de Nelson Rodrigues. Esse sabe revelar os recônditos das mentes dos nossos vizinhos (Coitados dos mortais!).

Como eu não nasci para ser anjo de uma só asa, circulo de mansinho pelo território das palavras, nem que seja para recolher algumas delas de modo avulso; aquelas que, acidentalmente, escapam dos lábios de papel dos reveladores de segredos diários; aquelas que, de vem em quando, promovem nossa purgação aleatória.

E daí vem minha sentença: nascemos para ouvir e contar histórias; ouvir e recontar; reouvir, recontar... Sem elas não sobreviveríamos. Sem elas não teríamos a curiosidade de nos assustarmos, de penetrar nos labirintos com fome desesperada.

Depois de algum tempo aprendendo com as histórias, me convenci que continua valendo a pena salvar a humanidade (o pra quê permanece). Pelo sim, pelo não, deixa a fogueira das vaidades acesa no quintal, por que nela sempre há espaço para algumas superficialidades.