30/05/2021

II - DIÁRIO DE BORDO 2021 - O VÍRUS

O vírus tinha uma proteína retardadora cuja ação dependia do estado psicoemocional do indivíduo. Dessa forma, os testes de detecção corriam o circuito cerebral do indivíduo para identificar o tipo de sinapse fragmentada na porção de retaguarda do cérebro. Em hipótese alguma, os testes de reação haviam funcionado em mentes autistas, o que dava a essa categoria alto potencial de confiabilidade no desenvolvimento de antídotos contra doenças atingidas por vírus e bactérias sintéticos.

No início, o vírus atingia muito mais as pessoas idosas e muito menos as crianças; ao longo das infecções, tornou-se indiferente. No entanto, veio da Comunidade Científica Alternativa uma solução: a transferência do sangue das crianças para os idosos. A prevenção teve baixa taxa de adesão e o resultado deu ânimo a outras pesquisas que vieram desembocar na transferência de gênero pelo processo que ficou conhecido como BRT (Brain Rapid Transfer).

Mais tarde, um psicobiovírus passou a ser transmitido via pensamento; ficava incubado nas células do medo das pessoas e era ativado ante as impressões recebidas nas mensagens produzidas nos laboratórios da informação. Nem todos conseguiam ser infectados porque, durante o processo de transmissão, algumas pessoas anulavam a fase sugestionável da tentativa, ou seja tiravam o carregador da tomada.

Uma seita de adoração ao vírus surgiu no centro do que restou da América e cooptou mais de um milhão de integrantes em menos de um mês. Rapidamente eles se espalharam em lugares próximos à linha do Equador; os adoradores se infectavam e se expunham ao Sol por 14 dias; ao final desse período, a libertação era conseguida. Cerca de 10% dos integrantes da Seita Sun conseguiram a passagem de redenção para o Céu. Os demais abjugados, em grupos de dois, difundiam-se pelo mundo multiplicando a boa nova. A cada ciclo de conversão, os adoradores repetiam o ritual de submissão ao vírus por 14 dias, para conquistar a liberdade. Sem a conquista, seguiam na obediência repetindo a série de cura.

O combate ao vírus se tornava cada vez mais individualizado. Muitos recusavam os antídotos disponibilizados no mercado em geral e tratavam de providenciar a sua própria cura. Em pouco tempo as farmácias vendiam manipuladores de essências, cápsulas vegetais processadas, géis e pomadas, adoçantes e preservativos orgânicos, todos capazes de defender o organismo humano dos vírus ativos.

Havia, ainda, fórmulas caseiras amplamente difundidas nas mídias conhecidas de então, incluindo a grande rede substituta das superadas FAANG+Twitter+Insta.

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