És maior. Sei.
Mas mentiste pra nós, né?! Guardaste bem o bilhete de
certa viagem no meio do sossego dos teus alfarrábios. Sei disso!
Que viagem? Ora, ora! A viagem secreta ao mundão dos
igarapés do Marajó. Revela!
Diz aí que as histórias que te chegavam sobre o
Marajó mexeram com o teu imaginário imaginativo de imaginador compulsivo e te
impulsionaram a confirmar de perto a visão provocativa do lugar.
Falo da crônica A moça contou, publicada no Jornal do Brasil em 1981, e no livro Boca de Luar em
1984.
Aquela crônica sobre o Marajó fabuloso e prático que
“atiça curiosidade de saber mais, mais.”
Aquela em que revelas direitinho dos labirintos infinitos
de Soure, Salvaterra, Joanes, Condeixa... das “garças e guarás vermelhos pousando
nas lagoas”, dos jacarés de montão, das aves de toda cor “que não se assustam
com o barulho doce dos remos”... e da vida “arco-irisada” capaz de embriagar a
“inocência do gênesis” e de deixar bobo qualquer um que fique na dúvida “sem
saber se olha ou se bebe a paisagem.”
A viagem que fizeste ao Marajó é bastante curiosa,
tá?!
Sei que na travessia de barco apertaste os olhinhos
para avistar láááá longe o cinza sem fim do verde que toma conta de tudo.
Os artifícios de engenhosidade que usaste para entortar
a história são bem típicos da tua meninice de funcionário público aposentado.
Tá pensando que não sei, meu caro!?
E digo mais. Pisaste na praia e levaste na pele da
alma o cheiro do lugar. Fala a verdade!
Tudo que dizes ali, tudo, tudinho não é brincadeira
não!
A pintura que fazes das pessoas, das coisas, das praias,
das histórias, dos lugares... são segredos míticos debulhados de um olhar
buliçoso/inquieto/alumbrado,
somente existente nos dedos capciosos de um menino
como tu.
Então, por mim, tá concluído: tu foste sim ao Marajó,
bem debaixozinho do nosso nariz, acompanhado da tua metafísica do conhecer, debochando
das nossas certezas baseadas na razão empinada. E, de quebra, sorriste da nossa
incapacidade de perscrutar-te, te descobrir entre os visitantes mais atentos.
A moça da história foi só uma desculpa para enviesar
e dizer que nunca vieste ver verdadeiramente o vivo Marajó. Conta outra! Sei do
completo narrador viajante que és. Porém, nesse relato, tua veia de devorador
de cenários e de paisagens humanas dá a pista de que teus pés pisaram no chão
marajoara e não nos deixa enganar: tu bebeste do leite do amapá. Ou teria sido
de búfala?
E se ainda fizeres um juramento inquebrável/inquestionável/inculpável/axiomático/...
confessando que as imagens da tua alma foram retiradas das palavras escritas na
carta que recebeste daquela moça...
... Será?!
Bem...
No final, Drummond, aquela crônica já não é tua
mesmo...
E ainda que te desculpes:
“Lívia, achei tão linda, mas tão linda a sua carta que não resisti:
roubei-a para fazer uma crônica.
Você me perdoa?”
Eu te perdoo, Drummond.
Obrigado, professora Lívia Barbosa (na época, estudante) pela provocação enviada nas correspondências ao destinatário.